[News] A poesia como refúgio: Vicente Humberto fala sobre os vazios que preenchem seu novo livro
A escrita de Vicente Humberto é marcada por uma profunda sensibilidade em transformar o ordinário em poesia. Em “Caixa de Vazios” (152 págs.), sua quinta publicação, o poeta mineiro convida o leitor a refletir sobre a ausência, os recomeços e a solidão, compondo um livro que explora os diferentes significados do vazio na existência humana. Publicada pela Ficções Editora, a obra conta com apresentação do poeta Salgado Maranhão e prefácio da escritora Carla Dias, que destacam a musicalidade e a delicadeza dos versos de Vicente.
Natural de Uberaba, Minas Gerais, Vicente Humberto viveu em diversas cidades ao longo da vida e trouxe para sua poesia as experiências de quem observa o mundo com atenção. Formado em Engenharia de Minas pela UFMG e em Letras pela UFG, sua trajetória literária começou nos anos 1980, com o livro “Folhas Levadas”, e seguiu com publicações como “Abacates no Caixote” e “Borboletas no Repolho”. Além dos livros, o autor também lançou álbuns de música que dão voz a seus poemas e podem ser encontrados nas principais plataformas de streaming, como Spotify e Deezer.
Dividido em três seções – Uma árvore quase pronta, Fazenda Harmonia e Sombra feliz – “Caixa de Vazios” utiliza a cadência das palavras e a simplicidade dos versos para construir um universo repleto de significados. Leia abaixo a entrevista com o autor que fala sobre o processo de escrita do livro.
Como a ideia de "Caixa de Vazios" surgiu e por que essa metáfora do vazio é tão importante para você?
Os temas de "Caixa de Vazios" refletem minha própria jornada existencial. A poesia sempre foi o espaço onde consigo explorar o vazio que nos cerca, essa ideia de acumular experiências, perdas, memórias e questionamentos ao longo da vida. A vida, para mim, é como uma grande caixa, onde vamos depositando pedaços de tudo o que vivemos. No entanto, muitas vezes esses pedaços não preenchem completamente os espaços que ficam vazios. Esses vazios, por sua vez, são igualmente importantes, porque é neles que a poesia se forma, onde o poeta encontra sua matéria-prima. Trabalhar com essa temática é desafiador, mas é também uma maneira de entender e dar sentido à existência. O título, "Caixa de Vazios", sintetiza essa percepção da vida como um processo constante de tentar preencher o incompleto, mesmo sabendo que nunca teremos todas as respostas.
"Caixa de Vazios" foi escrito em um período de isolamento e introspecção. Como esse momento influenciou sua escrita e a escolha do título?
Eu tinha acabado de publicar "Borboletas no Repolho" e estava atravessando um momento de isolamento, provocado não apenas pela pandemia, mas também por perdas pessoais e familiares. Esse isolamento foi uma oportunidade, ainda que dolorosa, para refletir profundamente sobre a vida, sobre o que eu tinha acumulado até então e o que ainda buscava compreender. A poesia, para mim, é um diálogo interno, uma conversa com Deus, com a espiritualidade e comigo mesmo. Curiosamente, o título "Caixa de Vazios" surgiu em um verso de "Borboletas no Repolho", um hábito que tenho de incluir nos poemas de um livro o embrião do próximo.
Escrevi a maior parte do livro na Fazenda Harmonia, um lugar que para mim é de imensa inspiração. Rodeado pela natureza, pelo silêncio, pelas memórias de infância e pelas histórias familiares, fui revisitando momentos que marcaram minha vida. Conviver com as perdas, com as sombras e com as lembranças é um processo que exige entrega, e a poesia é a forma que encontro para dar forma a isso. O processo durou cerca de um ano e foi um dos mais intensos da minha trajetória literária.
O livro reflete sobre solidão, finitude e relações humanas. Como esses temas se conectam à sua própria visão sobre a vida e a poesia?
"Caixa de Vazios" aborda temáticas universais, como a solidão, a finitude da vida, as relações humanas e a conexão com a natureza. A obra é, acima de tudo, uma reflexão sobre a existência e os espaços que ocupamos e deixamos vazios. O livro propõe um mergulho na busca de compreensão sobre a vida e a morte, sobre como lidamos com as perdas e os encontros, e como tentamos preencher os vazios que nos habitam. As mensagens principais são de introspecção, aceitando que o vazio também é parte da experiência humana.
O que "Caixa de Vazios" representa dentro da sua trajetória literária e de que forma ele te transformou?
Este livro é como um marco na minha jornada. Representa a minha relação com a escrita como uma forma de sobrevivência, um lugar onde posso eternizar momentos e sentimentos que são passageiros. A escrita me transforma porque me obriga a revisitar o que vivi, a dar forma ao intangível e a dialogar com aquilo que muitas vezes é difícil de encarar. Cada livro me muda de alguma forma, porque reflete o que estou vivendo naquele momento. "Caixa de Vazios" foi especialmente marcante, pois nasceu de um período de muitas perdas e reflexões. Ele me ajudou a entender melhor a efemeridade da vida e a encontrar beleza mesmo nos espaços vazios.
Você escreve desde 1984 e sua poesia tem evoluído ao longo das décadas. Como essa experiência acumulada influenciou "Caixa de Vazios"?
Cada livro que escrevo é um reflexo de uma fase da minha vida, e "Caixa de Vazios" não é diferente. Desde meu primeiro livro, "Folhas Levadas", publicado em 1984, até os mais recentes, minha poesia evoluiu em estilo e profundidade. Nos primeiros livros, havia uma urgência juvenil, uma busca intensa por expressão. Hoje, com mais de 70 anos, minha escrita é marcada pela reflexão, pela maturidade, mas também pelas mesmas perguntas que sempre me acompanham. Cada obra anterior contribuiu para meu amadurecimento como poeta, e "Caixa de Vazios" é uma síntese desse processo, carregando tanto a experiência quanto a curiosidade que nunca desaparece.
Desde a infância, a poesia tem sido sua principal forma de expressão. O que a torna tão essencial?
A poesia sempre foi minha forma de expressão mais natural. Comecei a escrever poemas ainda na infância, com cerca de oito anos, e desde então ela tem sido um refúgio, um ponto de fuga e um modo de entender o mundo. Para mim, a poesia é como um "big bang" interno, algo que explode de maneira espontânea e precisa ser traduzido em palavras. Ela não segue um planejamento ou uma rotina; é o momento que determina o poema, e isso é o que a torna tão poderosa e essencial para mim.
Sua formação literária inclui influências como Fernando Pessoa, Walt Whitman e Drummond. Como esses autores impactaram seu estilo e visão poética?
Minhas influências literárias são vastas e diversas. Fernando Pessoa foi uma presença marcante durante muitos anos da minha vida, onde li e reli sua obra de forma obsessiva. Também admiro profundamente Walt Whitman, Ezra Pound e outros autores. No Brasil, minhas maiores referências são Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Mário Quintana, Ferreira Gullar, Clarice Lispector, Paulo Leminski, entre outros. Cada um deles contribuiu para formar minha visão de mundo e moldar meu estilo poético.
"Caixa de Vazios" apresenta uma estrutura fragmentada. Como essa forma dialoga com o conteúdo do livro?
Meu estilo de escrita é visceral, emotivo e profundamente conectado ao que observo e sinto. Quando escrevo, estou completamente imerso no poema, vivendo cada verso como se fosse parte de mim. Em "Caixa de Vazios", essa imersão se traduz em uma estrutura fragmentada, que reflete os momentos vividos ao longo de um ano intenso de criação. A escrita é para mim um processo de entrega total, onde cada palavra é escolhida para traduzir aquilo que é quase impossível de ser dito.
Como muitos escritores, você começou a escrever na infância. Quando percebeu que esse seria o seu caminho?
Escrevo desde a infância. Comecei com redações escolares e cartas para amigos e familiares, que logo se transformaram em poemas. Descobri cedo que a poesia era minha maneira de dar sentido ao mundo e de expressar o que sentia. Com o tempo, fui desenvolvendo meu estilo e aprendendo que o poema é também uma construção, algo que requer paciência e cuidado para atingir seu potencial pleno.
Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho rituais fixos ou metas diárias. A poesia acontece de forma espontânea, como uma resposta ao que observo e sinto no dia a dia. Vivo em constante atenção ao mundo ao meu redor, pronto para capturar aquilo que me impacta. Para mim, a poesia é como uma janela aberta, sempre pronta para absorver o que a vida oferece de inesperado.
Agora que "Caixa de Vazios" foi finalizado, o que você busca na sua nova fase de escrita?
Depois de finalizar "Caixa de Vazios", continuo a escrever poemas, mas com o objetivo de explorar algo mais denso e impactante. Quero criar versos que provoquem, que mexam profundamente comigo e com os leitores. Estou em busca de uma poesia que seja visceral, que ultrapasse os limites do que já escrevi. Ainda não sei exatamente onde isso vai me levar, mas essa é a beleza da criação: ela é sempre um processo de descoberta.
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