[News] Última semana da peça Meus duzentos filhos de Miriam Halfim relembra os males do fascismo no Mirdrash Centro Cultural
Um dos homens mais generosos, humanistas e sábios que viveu
neste mundo é o personagem central da peça“Meus 200 Filhos”: Janusz Korczak,
pedagogo, pediatra e escritor judeu polonês, fundador e gestor do Orfanato
Modelo, em Varsóvia, onde se dedicou durante 30 anos a formar e educar órfãos,
oferecendo as crianças amor, carinho, respeito e instrução moral para enfrentar
a vida. Korczak viveu para educar e cuidar dos pequenos que amparou e morreu
com eles, nas mãos nazistas no campo de Treblinka, em 1942. O espetáculo teatral
teve temporada prorrogada e será encenado todas as quintas-feiras no Midrash
Centro Cultural, no Leblon.
“Meus 200 Filhos” é um
monólogo cuja atuação do ator Marcelo Aquino. Em cena está a vida e obra de
Janusz Korczak (1879-1942), uma mesa, uma cadeira. Janusz Korczak é o
pseudônimo de Henryk Goldszmit, nascido no dia 22 de julho de 1878, em Varsóvia
(Polônia) e responsável por desenvolver um método pedagógico inovador.
“Sim, me tornei um escritor, foram vários concursos literários,
foi quando adotei um pseudônimo: Janusz Korczak. Esse nome colou em mim para
sempre”. (Janusz Korczak)
Baseado no diário deixado por ele, suas memórias são resgatadas
e transportadas para este espetáculo teatral que focaliza sua brilhante e
iluminada ação junto as crianças acolhidas em seu orfanato modelo Dom Sierot (A
Casa dos Órfãos), onde trabalhou durante 30 anos, na Varsóvia. Os órfãos – seus
duzentos filhos - aprendiam disciplina, ganhavam instrução e força moral para
enfrentar a vida. Korczak afirmava que “não existem crianças, existem pessoas”,
e esforçava-se para assegurar a elas uma infância despreocupada, mas não isenta
de obrigações.
O texto de Miriam Halfim é pontuado de lirismo, emoção e aponta
o amor como caminho para vencer instabilidades e transformar seres humanos
desesperançados em cidadãos úteis e capazes de contribuir para uma sociedade
melhor. O monólogo traz a generosidade, hombridade, nobreza, retidão, firmeza
de caráter e lealdade como características explícitas do personagem. Desse
modo, a peça conduz o público a pensar sobre a educação e o tratamento
dispensado as crianças com um novo olhar, o do amor. É uma verdadeira
oportunidade de conhecer uma grande história de força de vontade em meio as
ações pavorosas do nazismo.
“Eu me emocionei e ainda me emociono quando li o texto. Muitas
vezes nos ensaios preciso segurar as lágrimas. É uma história real que comove.
Temos tantas crianças em situação de vulnerabilidade como as do orfanato.
Tantos professores no Rio de Janeiro e no Brasil enfrentam riscos diários na
educação das crianças e, como Korczak, nunca desistiram. Dar vida a um
personagem tão forte é um orgulho”, diz o ator Marcelo Aquino.
“Eu adoro crianças. Eu nunca suportei ver um adulto maltratando
crianças, ficava enfurecido. Não aceitava injustiças e não entendia por que
umas crianças tinham tudo e outras nada. Para educá-las, é preciso elevar-se
até elas para poder vislumbrar e compreender toda a riqueza de sua mente.
Elevar-se para aproximar-se de cada uma delas e entender toda a sua beleza.”
(Janusz Korczak)
A ficha técnica é respeitável: tem direção de Ary Coslov,
Marcelo Aquino interpretando Janusz Korczak, Bernardo Peixoto como assistente
de direção, Ana Vitória na preparação corporal e produção de Maria Alice
Silvério. A peça saiu do papel com a ajuda do financiamento coletivo via
Catarse no site www.catarse.me/meusduzentosfilhos, onde ainda segue angariando
fundos para manter-se em cartaz.
Crédito: Brunno Dantas
O Orfanato Modelo Dom Sierot (A Casa dos Órfãos) foi fundado no
dia 7 de outubro de 1912 por Janusz Korczak juntamente com sua amiga Stefania
Wilczyska. A entidade destinada a crianças judias era financiada pela Sociedade
judaica “Auxílio aos Órfãos”. Ele desenvolveu a chamada “República de
Crianças”, onde funcionava um tribunal de arbitragem de crianças, no qual os
próprios órfãos avaliavam as causas apresentadas por eles mesmos, podendo
inclusive levar à tribunal seus educadores.
“Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas
transformam o mundo. A educação modela as almas e recria os corações. Ela é a
alavanca das mudanças sociais.” (Janusz Korczak)
Entre outubro e novembro de 1940, o orfanato foi transferido a
mando do governo nazista para o Gueto de Varsóvia, o maior bairro judaico
estabelecido pela Alemanha Nazista na Polónia durante o Holocausto. O educador
e seus duzentos filhos padeceram nas mãos dos apoiadores do alemão Adolf
Hitler. Embora o pedagogo tenha recebido três propostas para sair do local,
recusou todos os chamados: ele não iria a lugar nenhum sem seus filhos.
Foi no gueto, que ele retomou a escrita regular do seu diário
iniciado em 1939, após dois anos sem fazer nenhuma anotação sobre o
comportamento e desenvolvimento das crianças e técnicas educacionais aplicadas
por ele. A última anotação foi em 4 de agosto de 1942. Na manhã de 5 de agosto
de 1942, o local foi cercado pelas tropas nazistas. Era o fim. Korczak, então
com 64 anos, pediu para as crianças colocarem suas melhores roupas e pegarem o
seu brinquedo favorito. Em marcha, ele pegou duas crianças pelas mãos e guiando
um grupo de 192 órfãos, embarcou em um dos vagões rumo aos campos de
extermínio. O comboio também levava Stefania Wilczyńska e mais um grupo de
educadores. A caminhada para a morte tornou-se um ícone do massacre. Janusz
Korczak foi assassinado com suas crianças no campo de extermínio nazista de
Treblinka. No ano de 1948, foi postumamente agraciado com a Cruz de Cavaleiro
da Ordem da Polônia Restituta. O diário foi publicado pela primeira vez em
Varsóvia, em 1958.
“Muito pouca luz, pouco espaço, pouco oxigênio, um vagão cheio
de almas e um trem em deslocamento. Tomara que meu diário esteja a salvo em
algum lugar.” (Janusz Korczak)
Crédito: Brunno Dantas
Korczak foi um pedagogo inovador e precursor nas iniciativas em
prol dos direitos da criança e do reconhecimento da total igualdade entre elas
e os adultos. Seu trabalho ganhava força e também tinha inspiração nos estudos
desenvolvidos por Maria Montessori - educadora, médica e pedagoga italiana que
destacava a importância da liberdade, da atividade e do estímulo para o
desenvolvimento físico e mental das crianças.
“Algumas crianças conhecem a alegria de brincar e reinventar o
mundo, mas muitas levam uma vida dura desde cedo. Eu sei do que estou falando,
pois tive que aprender cedo a enfrentar a dureza do mundo.” (Janusz Korczak)
Janusz Korczak deixou princípios que ainda hoje estão sendo
estudados. Seus 24 livros são a base de grandes nomes da educação infantil com
Paulo Freire e o psicólogo suíço, Jean Piaget, que chegou a visitar o orfanato.
Sua ideia de respeitar os direitos da criança é referência para muitos autores
contemporâneos. A importância e relevância de Korczak na educação fez surgir em
1998 o "O seminário é uma comemoração dos 50 anos da Declaração dos
Direitos da Criança da ONU, inspirada em Korczak”
FICHA TÉCNICA
Texto: Miriam Halfim
Direção: Ary Coslov
Interpretação: Marcelo Aquino
Cenário E Figurinos: Ary Coslov
Iluminação: Paulo César Medeiros
Assistente De Direção: Bernardo Peixoto
Preparadora Corporal: Ana Vitória
Fotos, Vídeos E Design: Thiago Sacramento
Produção: Maria Alice Silvério
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