[News] Mário Lúcio apresenta novo álbum "Funanight" no Brasil

Mário Lúcio, com apelo do acordeão e do ferrinho como bases, afirma em cada naipe deste disco que o Funaná é definitivamente música do mundo e música da noite.

Funanight, síntese feliz deste casamento, é um álbum rico, inquietante, emotivo e catalisador, no qual os códigos da música cabo-verdiana afirmam-se pela diversidade e re-existem pela originalidade.

O álbum, o nono da carreira do artista, busca as suas raízes rítmicas na África Continental, e lembra as músicas da diáspora africana no Caribe, do Ska Reggae às sutilezas da música cubana, tudo isso aliado à criação de ambientes sonoros das ilhas, a vozes a capela com imaginativa ascendência polifônica, numa prodigiosa “imitação” da gaita e do baixo.

Mário Lúcio assina, além das composições e arranjos, a produção artística deste álbum.

Selecionou músicos da África do Sul, de Cuba e do Brasil, além dos  melhores músicos de Cabo Verde para gravar com ele. Participam do álbum a moçambicana Wanda Baloyi , a sul-africana Judith Sephuma e o rei do funaná Zeca Nha Reinalda, para além de uma panóplia de brasileiros que incluem Leo Gandelman, Serginho Trombone, Dudú Farias, Enzo Filho, Rafael Meninão, entre outros.

Mario Lúcio surpreende com uma inesperada versão de “Who the Cap fit”, de Bob Marley, e nos riffs de guitarra com distorção na versão “rock metal” do tema tradicional  “Nandinha”.

O álbum soa como uma viagem iniciática, um encontro com as raízes do Funaná e os seus derivados ou reencontros.  

Mário Lúcio é músico, artista plástico, dramaturgo, poeta e escritor cabo-verdiano. Portador de tantos recursos da criação artística, reservou lugar especial à música. Encara a música existencialmente, como se ele próprio fizesse parte de uma ópera. Personifica-se em partituras musicalizadas. Harmonias das sonoridades. Textos, contextos e traços afoitos para a seleção das notas em assonância e dissonância.

Mário Lúcio tem sempre o dom de inquietar o nosso inconsciente e de nos acrescentar surpresas, projetando o tântrico do Mundo e dos mundos nos quais nos espelhamos.

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O disco é baseado no gênero musical funaná.

Por: Mario Lucio

Funaná é o género musical tocado com gaita (acordeão diatónico) e ferrinho (uma barra de ferro, em forma de cantoneira, tocada com uma faca – percussão). Nasceu na Ilha de Santiago, Cabo Verde, por volta do século 19. Foi o primeiro gênero a ser dançado aos pares. É uma música de libido libertina, de vocação libertária, e de energia libertadora. É sinônimo de baile, mas também é poesia.

Lembro-me da primeira vez que ouvi o som do acordeão, com seis anos de idade, na minha aldeia natal, Monte Iria, em Tarrafal, norte da ilha de Santiago. O tocador era um senhor chamado Vér de Txota, que viria a ser meu professor desse instrumento. Parecia uma orquestra de arco-íris. O fascínio apoderou-se de mim. Apenas uns anos mais tarde, aconteceram duas revoluções, a independência de Cabo Verde, em 1975, e a adaptação do Funaná aos instrumentos elétricos e eletrônicos, em 1978.

Quando o mundo se desvelou para mim, fiquei surpreso e feliz ao perceber o quanto o Funaná partilha com o reggae e o ska, com seus baixos lânguidos e longos, com as suas guitarras de efeito slap back dobrando a linha do baixo. Sinto na alma do Funaná as energias do pop rock e do jazz, na modernidade das guitarras substituindo o acordeão, e nos espaços de improvisos. O uso original da caneca (cowbell), na exata combinação entre o acento do cencerro cubano e o da cloche da Martinica e do Haiti, personalizou o Funaná de forma inconfundível.

Hoje, o interior da Ilha que habita as periferias das metrópoles europeias e da capital de Cabo Verde, Praia, fez o inverso: põe o acordeão a interpretar a alma Funaná que existe nas guitarras africanas, especialmente do Congo, Gabão, Nigéria, criando um ritmo loopiano chamado Cotxi Pó, o furor nos novos bailes. E os novos músicos casam livremente o Funaná com o hip-hop, com o techno, com o heavy metal. Essa é a vitalidade do Funaná.

E eu fui achar a mãe do Funaná lá na África do Sul, na música maskandi dos zulu. E achei entre seus parentes o forró, o xote e o xaxado, no Brasil, e o zydeco, nos Estados Unidos (mais precisamente em New Orleans).

O que senti não precisa de razão. Eu bebo de todos. Este disco é a minha memória do Funaná, o meu percurso, desde a minha infância no Tarrafal, até aos bairros de Coqueiro, Castelão e Achada Mato, onde hoje moro, autênticos laboratórios das novas músicas. É a minha homenagem. Salvem todos os que me antecederam. 

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