[Crítica] Chuva É Cantoria na Aldeia dos Mortos

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Sinopse:
Ihjãc (Henrique Ihjãc Krahô), um jovem Krahô, após um encontro com o espírito do seu falecido pai, se vê obrigado a realizar sua festa de fim de luto.​

O que eu achei?
Certa noite, ​Ihjãc acorda de sonhos intranquilos. O jovem índio da etnia krahô resolve perambular pela floresta e alcança uma cachoeira, onde tem uma conversa com o espírito de seu falecido pai. Ele pede que uma cerimônia seja realizada para que o mesmo possa atingir a paz no além-vida. A narrativa, então, acompanha a preparação de tal cerimônia — mobilizando a família inteira de ​Ihjãc —, enquanto presenciamos a metamorfose do jovem em um pajé; assim como sua recusa por essa mudança.
Premiada pelo júri da mostra ‘Um Certo Olhar’ no Festival de Cannes, a produção foi gravada durante um período de nove meses na comunidade krahô no Tocantins. Dirigida pela cineasta brasileira Renée Nader Messora e o português João Salaviza, ‘Chuva é cantoria na aldeia dos mortos’ constrói a sua narrativa através de diversas peculiaridades e a mais perceptível, em um primeiro momento, é a língua na qual é interpretada: o idioma próprio dos krahô. Somado a isso, os membros da comunidade interpretam a si mesmos; o que adiciona uma bem-vinda camada de neo-realismo nas atuações de todo o elenco.
Comecei o meu texto referenciando a célebre novela kafkaniana, pois percebi algumas semelhanças entre as duas obras. Assim como Gregor Samsa se encontra transformado e se nega a aceitar o seu atual estado até o derradeiro fim, Ihjãc se vê gradualmente metamorfoseado em um pajé e se recusa a assumir sua nova função na comunidade. A recusa advém da dificuldade dele em lidar com a morte do pai — diferentemente dos personagens ao seu redor.
Conforme a trama evolui e o protagonista se vê cada vez mais próximo da cerimônia e, consequentemente, da completude de sua metamorfose em pajé, o jovem decide deixar a tribo. A partir desse momento, o filme abre um novo leque de assuntos abordados: o tratamento oferecido aos indígenas pelo governo brasileiro, o encontro com a própria ancestralidade e as variadas camadas do luto. A direção da dupla de cineastas realça a comunhão presente entre o humano e a natureza — principalmente nos trechos da floresta: utilizando planos bem abertos que ilustram a grandiosidade da mata e planos bem fechados em partes do corpo humano — destaque para a sequência inicial, onde vemos as sombras das árvores marcadas nas costas de Ihjãc; uma assombrosa união imagética entre os dois. Essa comunhão fica ainda mais perceptível nas cenas da cidade, onde o protagonista surge sempre de forma isolada e deslocada dentro de quadro; construindo no espectador uma forte sensação de não-pertencimento.
Através de decisões ousadas e uma direção bastante habilidosa, o filme constrói uma narrativa comovente sobre luto e pertencimento. Entretanto, mais do que isso, a obra oferece representatividade e protagonismo para indivíduos que nunca se viram em tela de forma tão fidedigna quanto aqui. Em muitos momentos, a narrativa principal perde sua importância diante do fascinante cotidiano da comunidade krahô. Espero que com a mobilização feita pela diretora de um coletivo de cineastas indígenas, esse seja apenas o começo de uma nova leva de obras do tipo na cinematografia nacional.


Trailer:




Escrito por Pedro Alves

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