[Crítica] Duas Rainhas
Sinopse: Mary (Saoirse Ronan), ainda criança, foi prometida ao filho mais velho do rei Henrique II, Francis, e então foi levada para França. Mas logo Francis morre e Mary volta para a Escócia, na tentativa de derrubar sua prima Elizabeth I (Margot Robbie), a Rainha da Inglaterra.
O que eu achei?
Mary Stuart, rainha da Escócia, retorna a seu país após a morte precoce de seu marido Francis, rei da França. A Escócia está dominada por protestantes e parece não querer reverenciar uma rainha católica. Diante da oposição, Stuart tenta persuadir sua prima Elizabeth I, a Rainha da Inglaterra, a fazer dela herdeira do trono dos dois países. Não é a primeira vez que a clássica história de rivalidade entre Mary Stuart e Elizabeth I é retratada pelo cinema. Em 1936, a história foi contada por John Ford, com Katharine Hepburn e Florence Eldridge interpretando Mary e Elizabeth, respectivamente. Entretanto, a versão mais conhecida da história foi lançada em 1971 e, dessa vez, a intérprete de Mary era Vanessa Redgrave, no papel que lhe rendeu uma indicação ao Oscar, e sua opositora era Glenda Jackson, fazendo uma perversa rainha Elizabeth. O filme também concorreu aos Oscars de direção de arte, figurino, mixagem de som e trilha sonora.
Neste remake lançado em 2018, os papéis de Mary e Elizabeth ficam a cargo de Saoirse Ronan e Margot Robbie, duas atrizes jovens, recentemente indicadas ao Oscar. Este é o primeiro filme de Josie Rourke como diretora de cinema, apesar da experiência na direção de peças de teatro, como os clássicos Muito Barulho por Nada e Romeu e Julieta, de Shakespeare. O que poderia ser uma vantagem - a princípio a diretora já estaria familiarizada com o gênero do filme, um drama histórico - resulta na tela em uma direção sem grande personalidade, que prefere deixar por conta das atrizes a responsabilidade de sustentar o interesse na obra. No fim das contas, um filme que poderia ter rendido toneladas de indicações ao Oscar recebeu apenas duas nas categorias de Figurino e Maquiagem.
O grande diferencial do filme, entretanto, é a intenção de fazer uma releitura feminista desta história. A clássica rivalidade entre as duas personagens reais transfigura-se em uma relação de sororidade, à medida que somos apresentados às agruras e fragilidades de ser uma mulher no poder na Europa Medieval. Em Duas Rainhas, os homens são os verdadeiros vilões. É o mundo masculino que demoniza a liberdade da rainha Mary e faz com que a própria Elizabeth, afinal, não se reconheça como mulher, por não poder ter filhos ou viver o amor de maneira livre.
O maior problema de Duas Rainhas, ao meu ver, é como o roteiro estrutura a relação entre as duas personagens femininas: elas se encontram uma única vez ao longo do filme. Enquanto isso, o público deve se contentar em ver de relance, vislumbrar, a vida de uma rainha e da outra, separadamente, cada qual em seu país. A comunicação entre as duas personagens se dá por correspondência, entoada sempre em voice over. Dentre as linhas narrativas, a de Mary é claramente mais desenvolvida, revelando uma personagem corajosa e à frente de seu tempo, capaz de aceitar a homossexualidade de David Rizzio, seu cortesão, e de seu consorte, Lorde Darnley, chegando ao paroxismo de perdoar o envolvimento sexual dos dois. Nesse papel, Saiorse se sai bem, confirmando o talento já demonstrado nos trabalhos anteriores.
Apesar de ter menos tempo de tela, Margot Robbie consegue criar um retrato empático da Rainha Elizabeth. Optando por uma interpretação frágil, de uma rainha que se esconde por trás do trono, Robbie consegue ganhar a simpatia do espectador e relativizar o maniqueísmo com que esta história tem sido contada no cinema. Mesmo assim, há um nítido desequilíbrio de narrativas em Duas Rainhas. Apesar das inúmeras possibilidades de conflito plantadas pelo roteiro - sua infertilidade, as marcas físicas e psicológicas deixadas pela varíola, a abdicação do amor pelo compromisso com a nação - Elizabeth I, enquanto personagem, nunca se desenvolve em sua total potencialidade, deixando a cena aberta para Mary Stuart ocupar o primeiro plano.
Ao final, o encontro entre as duas protagonistas perde a força e faz rachar a sororidade que se tentava construir até então, de forma muitas vezes artificial. A conexão que o filme procura estabelecer fica perdida, no desfecho, por deixar mal explicada a execução de Mary, ordenada pela própria Elizabeth, justamente no momento em que a relação das duas parecia estar fortalecido a ponto de se tratarem finalmente como "irm˜ãs". Duas Rainhas não se firma enquanto filme, mas configura uma tentativa válida de escrever a história sob um ponto de vista feminino.
Trailer:
O que eu achei?
Mary Stuart, rainha da Escócia, retorna a seu país após a morte precoce de seu marido Francis, rei da França. A Escócia está dominada por protestantes e parece não querer reverenciar uma rainha católica. Diante da oposição, Stuart tenta persuadir sua prima Elizabeth I, a Rainha da Inglaterra, a fazer dela herdeira do trono dos dois países. Não é a primeira vez que a clássica história de rivalidade entre Mary Stuart e Elizabeth I é retratada pelo cinema. Em 1936, a história foi contada por John Ford, com Katharine Hepburn e Florence Eldridge interpretando Mary e Elizabeth, respectivamente. Entretanto, a versão mais conhecida da história foi lançada em 1971 e, dessa vez, a intérprete de Mary era Vanessa Redgrave, no papel que lhe rendeu uma indicação ao Oscar, e sua opositora era Glenda Jackson, fazendo uma perversa rainha Elizabeth. O filme também concorreu aos Oscars de direção de arte, figurino, mixagem de som e trilha sonora.
Neste remake lançado em 2018, os papéis de Mary e Elizabeth ficam a cargo de Saoirse Ronan e Margot Robbie, duas atrizes jovens, recentemente indicadas ao Oscar. Este é o primeiro filme de Josie Rourke como diretora de cinema, apesar da experiência na direção de peças de teatro, como os clássicos Muito Barulho por Nada e Romeu e Julieta, de Shakespeare. O que poderia ser uma vantagem - a princípio a diretora já estaria familiarizada com o gênero do filme, um drama histórico - resulta na tela em uma direção sem grande personalidade, que prefere deixar por conta das atrizes a responsabilidade de sustentar o interesse na obra. No fim das contas, um filme que poderia ter rendido toneladas de indicações ao Oscar recebeu apenas duas nas categorias de Figurino e Maquiagem.
O grande diferencial do filme, entretanto, é a intenção de fazer uma releitura feminista desta história. A clássica rivalidade entre as duas personagens reais transfigura-se em uma relação de sororidade, à medida que somos apresentados às agruras e fragilidades de ser uma mulher no poder na Europa Medieval. Em Duas Rainhas, os homens são os verdadeiros vilões. É o mundo masculino que demoniza a liberdade da rainha Mary e faz com que a própria Elizabeth, afinal, não se reconheça como mulher, por não poder ter filhos ou viver o amor de maneira livre.
O maior problema de Duas Rainhas, ao meu ver, é como o roteiro estrutura a relação entre as duas personagens femininas: elas se encontram uma única vez ao longo do filme. Enquanto isso, o público deve se contentar em ver de relance, vislumbrar, a vida de uma rainha e da outra, separadamente, cada qual em seu país. A comunicação entre as duas personagens se dá por correspondência, entoada sempre em voice over. Dentre as linhas narrativas, a de Mary é claramente mais desenvolvida, revelando uma personagem corajosa e à frente de seu tempo, capaz de aceitar a homossexualidade de David Rizzio, seu cortesão, e de seu consorte, Lorde Darnley, chegando ao paroxismo de perdoar o envolvimento sexual dos dois. Nesse papel, Saiorse se sai bem, confirmando o talento já demonstrado nos trabalhos anteriores.
Apesar de ter menos tempo de tela, Margot Robbie consegue criar um retrato empático da Rainha Elizabeth. Optando por uma interpretação frágil, de uma rainha que se esconde por trás do trono, Robbie consegue ganhar a simpatia do espectador e relativizar o maniqueísmo com que esta história tem sido contada no cinema. Mesmo assim, há um nítido desequilíbrio de narrativas em Duas Rainhas. Apesar das inúmeras possibilidades de conflito plantadas pelo roteiro - sua infertilidade, as marcas físicas e psicológicas deixadas pela varíola, a abdicação do amor pelo compromisso com a nação - Elizabeth I, enquanto personagem, nunca se desenvolve em sua total potencialidade, deixando a cena aberta para Mary Stuart ocupar o primeiro plano.
Ao final, o encontro entre as duas protagonistas perde a força e faz rachar a sororidade que se tentava construir até então, de forma muitas vezes artificial. A conexão que o filme procura estabelecer fica perdida, no desfecho, por deixar mal explicada a execução de Mary, ordenada pela própria Elizabeth, justamente no momento em que a relação das duas parecia estar fortalecido a ponto de se tratarem finalmente como "irm˜ãs". Duas Rainhas não se firma enquanto filme, mas configura uma tentativa válida de escrever a história sob um ponto de vista feminino.
Trailer:
Escrito por Maria Júlia
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