[Crítica] Compra-me um Revólver
Sinopse:
Em um mundo cheio de violência em que as mulheres se prostituem e são mortas, uma garota usa uma máscara do Hulk e uma corrente no tornozelo para esconder seu gênero, e ajuda o pai, um viciado atormentado, a cuidar de um campo de beisebol abandonado onde os traficantes jogam. Um dia, o pai da menina é chamado para tocar em uma festa organizada por um traficante e ele não tem escolha senão levar sua filha junto. No dia seguinte, Hulk acorda cercada pelo caos e precisa lutar por sua liberdade.
O que eu achei?
Em um momento de
‘Compra-me um revólver’, a pequena protagonista percorre um descampado após uma
grande chacina. Vários corpos estão espalhados pelo caminho da personagem.
Contudo, ao invés de existirem atores ou próteses realísticas de cadáveres,
acompanhamos o trajeto da garota por meio de mortos com aspectos cartunescos e
irreais — através do olhar atento e observador de um grande plano aberto.
Talvez esse seja um dos maiores êxitos do filme: filtrar a cruel realidade
daquele mundo dos adultos através do olhar infantil.
Como acompanhante fiel
de narrativas iniciáticas, ou seja,
filmes protagonizados por crianças; posso afirmar que existem várias armadilhas
que os realizadores podem facilmente cair e clichês que eles podem cometer. Uma
delas é a recorrência de apenas um olhar nesse tipo de filmografia: o
masculino. Isso é um reflexo não só das obras com protagonistas infantis, mas da
indústria cinematográfica como um tudo que rotineiramente oferece inúmeras
oportunidades para um recorte específico de diretores brancos, norte-americanos
e heterossexuais.
Por mais que também
seja idealizada por um diretor (Julio Hernández Cordón), ‘Compra-me um
revólver’ descentraliza e expande os horizontes esperados. A narrativa se passa
em um México atemporal que em partes é distópico, em partes não; onde as mulheres
estão desaparecendo e os narcotraficantes organizados em cartéis são a lei. A protagonista, chamada de
Hulk por conta da máscara que usa em seu rosto, vive com seu pai em um
constante estado de temor pela possibilidade de ser sequestrada. Nesse mundo as
crianças são aprisionadas e colocadas em gaiolas, principalmente as meninas. Um
dos amigos da personagem tem o braço decepado e, em um momento, quer reaver o
membro. Todos esses acontecimentos se encadeiam em uma pungente narrativa.
A direção consegue
trilhar o caminho sutil existente entre o fantasioso olhar infantil e a dura
realidade que é apresentada. A violência nunca é suavizada, mas o fantástico
também está sempre presente. Seja nos delírios após o uso de drogas ou na
sequência pós-chacina comentada anteriormente. Dispomos tanto no roteiro, quanto
na fotografia, de um caráter intimista com os pequenos personagens e as
relações existentes entre eles que muito nos lembra do bem-sucedido ‘Projeto
Flórida’ (2017) de Sean S. Baker. Durante a narrativa, o imaginário do
senso-comum sobre o México é testado, fragmentado e ampliado.
Julio Hernández Cordón,
através da sua direção próxima e solta, consegue transformar as fatalidades acarretadas
pelos cartéis em um conto de fadas agridoce. No fim, não existe
uma conclusão feliz ou idealizada para nenhum dos personagens. Contudo, tais
quais as versões originais dos contos de fadas, ‘Compra-me um revólver’ faz com
que sua protagonista conclua sua violenta jornada sem que perca toda a sua
inocência. A esperança presente durante todos os minutos da projeção nos
acompanha para fora do cinema mesmo após os seus créditos finais.
Trailer:
Escrito por Pedro Alves
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