[Crítica] Deslembro
Sinopse:
Joana é uma adolescente que mora em Paris com a família. Quando a anistia é decretada no Brasil, ela volta ao Rio de Janeiro, cidade onde nasceu e onde seu pai desapareceu nos porões do DOPS. Lá, seu passado ressurge.
Joana é uma adolescente que mora em Paris com a família. Quando a anistia é decretada no Brasil, ela volta ao Rio de Janeiro, cidade onde nasceu e onde seu pai desapareceu nos porões do DOPS. Lá, seu passado ressurge.
O que eu achei?
Quando os créditos de
‘Deslembro’ surgiram, eu estava perdidamente apaixonado. A gradual construção
de cada um dos seus personagens, assim como seus traumas, unido a excepcional composição
de uma constante globalização presente na vida da protagonista conseguem estruturar
de forma bárbara o território narrativo — seja ele o Rio de Janeiro ou Paris.
Acompanhamos a
trajetória da adolescente Joana (Jeanne Boudier) que, graças a recém-decretada anistia
em terras tupiniquins, está prestes a se mudar de Paris para o Rio de Janeiro,
cidade onde nasceu, junto a sua família. É 1979 e o regime militar ainda está
em vigor, o que só potencializa o trauma de ter seu pai desaparecido nos porões
do DOPS. Diferentemente dos coming of age
rotineiros, principalmente os que retratam rememorações e visitas a reminiscências
do passado; é a protagonista, ainda em sua adolescência, que relembra de
fragmento de memórias de quando era mais nova.
A obra, escrita e
dirigida por Flávia Castro, utiliza de forma brilhante das conhecidas
ferramentas de roteiro para a construção de sua história sobre afetos. Estão presentes
as etapas da jornada do herói, velhas conhecidas dos storytellers, de maneira sutil e uniforme somadas a uma direção
extremamente intimista. As cenas do cotidiano, divididas pela protagonista com
os outros membros da família, são captadas de uma forma que quase flerta com o
documental. Através disso, elas conseguem materializar através de ações
corriqueiras as essências de cada um dos personagens.
Um dos elementos que
mais chama atenção durante a projeção é toda a trilha sonora da obra. Em um
primeiro plano, elas servem a um propósito de reconstituição de uma época.
Quando escutamos ‘Walk On The Wild Side’ do Lou Reed ou ‘You Don't Know Me’ do
Caetano Veloso sabemos que estamos diante da efervescência musical específica
da década de 1970. Contudo, em um plano mais profundo, as canções dialogam
diretamente com as sequências onde tocam (ou não tocam, ou se repetem). Existe,
por exemplo, certa poesia intrínseca em ambos os momentos onde se escuta 'People
Are Strange' do The Doors na trama — marcando para o espectador as duas
ocasiões onde a protagonista se sente pertencente a um grupo e a um local.
‘Deslembro’ ainda
brinca com o esperado das narrativas de amadurecimento ao apresentar os três irmãos,
cada qual passando por diferentes etapas da infância e adolescência, atravessando
suas próprias jornadas de amadurecimento. Além disso, o coming of age não se restringe apenas aos personagens de carne e
osso. O duro processo de cicatrização das feridas abertas durante o ápice dos
anos de chumbo é constantemente pontuado; chegando a se entrelaçar com a
jornada da própria Joana. Os adultos a cercam foram influenciados diretamente
pelo regime militar e possuem diferentes formas de lidar com seus próprios traumas.
Não posso deixar de expressar
nesse meu texto a forma como a obra pareceu dialogar com outras produções (e
co-produções) brasileiras que retratam épocas próximas. Para mim, ‘Deslembro’
se coloca como irmão-temático de filmes como 'Infância Clandestina' (2011) e 'O
Ano em que Meus Pais Saíram de Férias' (2006). Um sorriso brota no meu rosto ao
comparar as sequências finais prestes na obra de Flávia Castro e na de Cao
Hamburger: ambos se passando em um veículo em movimento e com um espaço
não-preenchido, mas com tons bastante díspares. ‘Deslembro’ possui um olhar muito
mais esperançoso sobre a luta social, o que faz com que seja a obra ideal para
o período conturbado em que vivemos.
Trailer:
Escrito por Pedro Alves
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