[News] Livremente inspirado na vida e obra do dramaturgo Qorpo-Santo, coletivo 28 Patas Furiosas estreia peça de teatro Parede a partir do dia 15 de junho
Ao chegar no Espaço 28, o público será recepcionado pelas
atrizes e pelos atores do grupo, que o convidará a acompanhá-los no processo de
construção de uma obra: o erguimento de paredes que tem como função aprisionar
o corpo da Personagem .Q, desprendido de sua própria cabeça. A fábula absurda é
uma proposta do grupo 28 Patas Furiosas em Parede, sua mais recente criação,
que traz uma discussão sobre interrupção, instabilidade e invenção de
realidades nos nossos dias, a partir da vida e obra do autor gaúcho Qorpo-Santo
(1829 – 1883). A peça estreia dia 15 de junho, sábado, 21h e fica em cartaz até
7 de julho de 2019, na sede do coletivo, o Espaço 28.
O cenário, uma instalação cênica composta por blocos de
concreto, tapumes de madeira, papéis, televisões, telas de celulares e outros
equipamentos tecnológicos, compõem um ambiente inóspito e violento que
possibilita ao público vivenciar diferentes ações das personagens para
encarcerar a Personagem .Q – que perdeu a cabeça, no sentido literal e
metafórico – em seu próprio apartamento. Essa função policialesca é confiada
aos próprios condôminos, que anseiam por cumprir todas as regras do Edifício e,
para tanto, tomam todas as decisões em uma reunião em um grupo de Whatsapp.
Com dramaturgia do próprio grupo em parceria com Tadeu Renato,
Parede parte de temáticas presentes na obra do dramaturgo Qorpo-Santo sem, no
entanto, se referir diretamente a ela. "Ao ler a enciclopédia do
Qorpo-Santo nos deparamos com um material formalmente complexo e cheio de
deslocamentos temáticos. Para nós, a força da obra está na urgência que o
Qorpo-Santo parecia articular para inventar sua própria linguagem, ou seja, um
jeito singular de refletir sua própria realidade, e é a partir dessas
características que construímos esse trabalho", conta Wagner Antônio,
encenador.
Segundo Wagner, que também assina a cenografia e a luz de
Parede, a narrativa se inspira no estilo peculiar de Qorpo-Santo:
"Percebemos que muitos dos seus textos estabeleciam um movimento de
aproximação e afastamento do leitor, exigindo algum tipo de alteração na
percepção de seus interlocutores, e é esse tipo de sensação que buscamos na
relação do trabalho com o público", explica.
Tadeu Renato criou os textos ditos pela Personagem .Q para se
comunicar com os condôminos que tentam emparedá-lo, e os envia em forma de
áudios, gifs e textos no Whatsapp. Inclusive, como uma ação performática, é a
voz do próprio dramaturgo que o público escuta nos áudios.
Além disso, textos polifônicos são emitidos pelas atrizes e
pelos atores, não num sentido narrativo tradicional, mas como a recriação, em
cena, do universo aleatório que preenche os 9 volumes inacabados da Ensiqlopèdia
de Qorpo-Santo. Caixas de som também emitem textos que, tecem a paisagem
sonora, que assim sobrepostas, acabam por formar uma interessante massa sonora
ao modo qorpo-santense. A trilha é assinada e composta por João Paulo
Nascimento.
Tijolos são empilhados, paredes se erguem, ora no chão, ora em
torres. O público, que está dentro da instalação cênica, acompanha muito
proximamente esse fazer e desfazer. Recursos tecnológicos, como câmeras,
celulares e telas de computador estão em cena e são manuseados pelos atores e
pelas atrizes. Parede é uma continuidade da pesquisa do coletivo, que em lenz,
um outro (2014) e A Macieira (2016) já discutiam questões como a instabilidade
da vida a partir de uma aposta na radicalização da linguagem teatral, expressa
em todos os processos do espetáculo.
Como num site-specific, os atores conduzem o público por
caminhos labirínticos, onde paredes podem servir também como metáforas
contemporâneas a respeito do isolamento e distanciamento do outro. Essa
instalação é erguida pelos artistas durante a peça, para "trazer
inventividade frente à concretude e precariedade que assolam o imaginário da
sociedade atual". As atrizes e atores lapidam em cena o espetáculo como
se ele fosse uma escultura, com base na vida e obra de Qorpo-Santo, a partir do
espaço e sua materialidade. "Foi assim que o autor esculpiu a sua própria
história, com um amontoado de palavras na sua Ensiqlopèdia ou Seis Mezes de
huma Enfermidade", conta Wagner.
A imersão tecnológica é imperativa, como por exemplo, na cena em
que o público assiste na tela de televisores, o desenrolar de uma conversa dos
condôminos no grupo de Whatsapp. A cena anterior na TV mostra muito do que está
por acontecer: um vídeo de uma cupim-rainha ao lado de uma colônia de cupins.
"Esses insetos destroem estruturas no silêncio, quase na invisibilidade,
com o tempo transformam os lugares por onde passam, só percebemos sua presença
depois que tudo vai pro chão", explica o diretor.
Professor e escritor do Século XIX, Qorpo-Santo passou parte da
vida lutando contra a interdição jurídica a que foi condenado com base em um
diagnóstico de monomania, conceituada como um tipo de paranóia na qual o
paciente tem uma única idéia ou tipo de ideias. Impedido de continuar as suas
atividades públicas, passou a escrever e a organizar incansavelmente a
Ensiqlopèdia ou Seis Mezes de Huma Enfermidade, obra inacabada em 9 volumes
confeccionada em sua própria tipografia, com textos das mais diferentes naturezas,
produzidos durante toda a sua vida.
SOBRE O 28 PATAS FURIOSAS
A pesquisa artística do 28 Patas Furiosas é norteada pelo
universo das obras literárias de autores e autoras que experimentam a
linguagem na criação de novas poéticas, e muitas vezes as suas biografias
acabam se misturando aos personagens e imaginários das peças do grupo. No
entanto, 28 Patas Furiosas não se limita a transpor para a linguagem do teatro
o material literário, busca sim uma apropriação deste com o fim de reinventá-lo
e dar corpo às suas reflexões, inquietações e assombros em diálogo com o
tempo presente, atrelados à materialidade dos elementos do espaço cênico.
O caráter multidisciplinar é outra das marcas do trabalho do
28 Patas Furiosas; a encenação de Wagner Antônio (que também possui um
sólido trabalho como iluminador teatral na cena atual), alia o teatro às
artes plásticas em busca da máxima extração de imagens a partir de
elementos simples e rústicos, na maioria das vezes.
O treinamento realizado pelos atores e pelas atrizes desde a
formação do grupo, busca uma presença expandida dos intérpretes em diálogo
com a materialidade da cena e do espaço, articulando-os com a dramaturgia. Os
projetos do coletivo não se fundamentam apenas na construção do espetáculo,
mas envolvem outras atividades também, como discussões, aulas públicas com
convidados, ensaios de portas abertas, oficinas, exposições das instalações
cenográficas, etc.
SINOPSE
Parede é uma peça-instalação livremente inspirada na vida e
obra do autor gaúcho do século XIX, José Joaquim de Campos Leão, o
Qorpo-Santo. O espetáculo se desenvolve a partir das ideias de interrupção,
instabilidade e invenção - presentes na vida conturbada do autor - para narrar
o curioso diagnóstico da Personagem .Q e das paredes construídas dentro do seu
próprio apartamento.
FICHA TÉCNICA
Encenação, Cenário e Luz: Wagner Antônio
Dramaturgia: 28 Patas Furiosas e Tadeu Renato
Atrizes e Atores: Isabel Wolfenson, Murilo Thaveira, Pedro
Stempniewski, Sofia Botelho e Valéria Rocha
Composição Sonora: João Paulo Nascimento
Figurino: Valentina Soares
Assistência de Direção:: Laura Salerno
Arte Gráfica: Murilo Thaveira
Produção Geral: Iza Marie Miceli
Direção Técnica: Douglas de Amorim
Realização: 28 Patas Furiosas
SERVIÇO
Parede
De 15 de junho até 7 de julho
Sábados às 21h / Domingos às 19h
Local: Espaço 28 (Rua Dr.
Bacelar, 1219 - Vila Clementino, São Paulo - SP, 04026-002).
Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).
Capacidade: 30 lugares.
Duração: 90 minutos. Classificação: 18 anos.
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