[Crítica] Brinquedo Assassino
Sinopse:
Karen (Aubrey Plaza) presenteia seu filho pequeno, Andy (Gabriel Bateman), com um boneco muito especial. Os dois precisam lutar por suas vidas, porém, quando crimes estranhos começam a acontecer pela vizinhança, revelando a natureza sombria do brinquedo.
O que eu achei?
Vou ser sincero: fui
com o coração fechado para a cabine de ‘Brinquedo Assassino’. Sou um fã xiita
da franquia. Defendo desde a trilogia original surgida no finzinho da década de
1980, passando pela obscura duologia da família (Noiva e Filho) até a ressurreição da franquia
em 2013 com ‘A Maldição de Chucky’. Existe também um considerável peso de
memória afetiva. O primeiro filme de “terror” que assisti em minha trajetória
cinéfila foi 'A Noiva de Chucky' (1998). Por conta dessa frase, prevejo
algumas pessoas correndo para a caixa de comentários para gritar em caps lock o quão ofensivo fui ao me
atrever a colocar tal obra na mesma frase que a palavra terror. Para elas, eu
quero esclarecer que a obra de Ronny Yu pode até não ser
classificada nesse gênero — principalmente com o distanciamento do tempo — mas,
para o Pequeno Pedro de cinco anos de idade, foi uma experiência transformadora
de vida. Até recentemente, eu vivia avançando uma cena específica do filme onde
o Chucky arrancava o piercing do
mamilo de um personagem sempre que o revia. Arrepiante!
O primeiro problema a
meu ver com esse remake é a forma com
que ele destrói a retomada que a franquia estava experimentando. Depois de
respirar por aparelhos com 'O Filho de Chucky' (2004), tanto a franquia quanto Don
Mancini, seu criador, pareciam ter encontrado o seu infame fim. 'O Filho de
Chucky' (2004) foi para a franquia o mesmo que 'A Hora do Pesadelo 7: O Novo
Pesadelo' (1994) foi para o Freddy Krueger: fãs do terror, aparentemente, não
curtem filmes metalinguísticos; mas isso é papo para outro texto. Contudo, após
quase uma década, o boneco assassino ressurgiu travestido de reboot e com um tom acertado. Um tom que
agradou ambos, público e crítica, que não esperavam encontrar tamanha qualidade
no independente ‘A Maldição de Chucky’ (2013). Por mais que a qualidade tenha
caído um pouco — ok! talvez um pouco mais que um pouco — com a sua sequência, 'O
Culto de Chucky' (2017), a franquia parecia ter reconquistado seus seguidores e
voltado a ter relevância no cenário de terror (mesmo com os dois filmes
anteriores lançados diretamente em vídeo).
Somado a isso, Don
Mancini, criador que esteve presente durante os altos e baixos da franquia,
demonstrou seu descontentamento com as (várias) mudanças feitas na mitologia da
franquia nesse remake, sendo
posteriormente colocado para escanteio — nunca mais sendo consultado para nenhuma
das várias decisões equivocadas tomadas pela equipe criativa. Quase uma
repetição da romaria pela qual o 'Suspiria' (2018) do
Luca Guadagnino atravessou ao ser (de forma merecida) execrado pelo Dario
Argento, né? Papo para outra postagem também.
Essa não é uma pergunta
simples e, portanto, necessita de uma resposta com certo desenvolvimento. Como
obra pertencente à franquia do boneco Chucky, o novo filme não poderia ser mais
equivocado. Para começar, o sobrenatural foi completamente descartado da
narrativa. O boneco não abriga mais a alma de um assassino serial que deseja
reencarnar no corpo do seu jovem dono. Mais: perdemos a dublagem lendária do
Brad Dourif encarnando o brinquedo diabólico! Em seu lugar, Mark Hamill assumiu
(em um desempenho nem memorável, nem incômodo). O roteiro parece indeciso no
que refazer e/ou homenagear no filme original e do que alterar, o que faz com que os primeiros
minutos sejam difíceis de assistir — ainda mais pra quem é fã da franquia
original.
Existe ainda um
problema, talvez o maior, que se encontra no interior da narrativa e não possui
nenhuma relação com a estrutura dramática em si: a estereotipificação de
determinados personagens. Chucky, nessa versão, é um boneco com inteligência
artificial que é libertado de suas travas de software através de um funcionário vietnamita descontente. Chega a
ser assustador perceber como um problema social sério como a mão-de-obra em
condições análogas a escravidão (utilizadas desde marcas de tecnologia famosas
até a linha de roupa da Beyoncé) foi cooptado pela indústria de entretenimento
norte-americana como muleta narrativa. Mas beleza. Durante a história, somente
três personagens negros são retratados. Um deles, inclusive, é uma mudança
muito bem-vinda: o detetive que investiga os crimes (Brian Tyree Henry). Contudo, todo o
desenvolvimento envolvendo a mãe desse personagem sendo presenteada com uma
melancia (!) é, no mínimo, estranho. O roteirista, inclusive, não pode alegar
desconhecimento de toda a conotação pejorativa da fruta para a comunidade negra
norte-americana já que escreveu piadas que ocorreram instantes antes e que só
fazem sentido por conta dessa mesma conotação. A forma com que a mãe do Andy é
retratada com uma carga negativa por conta da escolha em se relacionar com
outros homens, é, no mínimo, conservadora. Todos esses
problemas seriam facilmente percebidos e resolvidos se houvesse maior
diversidade na sala de roteiristas, mas, aparentemente, ainda é difícil grandes
produções não serem monopolizadas por essa bolha de homens brancos.
Respondendo a pergunta,
então, ‘Brinquedo Assassino’ é um bom filme? Por mais que o meu primeiro
impulso seja gritar “NÃO”, acho que
a resposta adequada seria: “sim, mas por outros méritos”. Como filme do Chucky
é decepcionante, mas, por conta de seu pano de fundo “black-mirroriano” desenvolvendo o clássico conflito “homem vs.
máquina”, ele ainda consegue apresentar o ponto principal da trilogia original
(em minha visão): o amadurecimento de Andy.
Anos atrás, o Pequeno
Pedro escreveu um texto que pode ser lido aqui sobre como a
franquia Brinquedo Assassino é um drama sob determinada óptica. A história do
protagonista da trilogia original, o menino Andy, é cercado de tragédias e
mortes ocasionadas por Chucky que vão desde seu envio para um orfanato durante 'Brinquedo Assassino 2' (1990), encerrando a trilogia com o garoto trancafiado em um colégio
militar. Essa história de amadurecimento que manteve a audiência torcendo e
temendo pelo personagem. A história em seu âmago tratava de um embate mortal: Chucky só
poderia tomar o corpo de Andy como receptáculo de sua alma e, por conta disso,
o garoto estaria sempre condenado enquanto o boneco vivesse. Esse conhecimento canônico
foi abandonado na duologia da família, o que, concordo, enfraqueceu a história
como um todo. Contudo, como trilogia isolada, a história de Andy e sua
transição da infância para a pré-adolescência e, em seguida, para um jovem
adulto é um dos pontos altos da franquia.
Nesse ponto, o remake se destaca por conseguir
enveredar ainda mais em uma narrativa de amadurecimento e, com isso, desenvolver detalhes deixados de lado pelo original — como a ausência paterna na vida do
garoto. Os pontos altos do filme são a relação do menino com seus vizinhos e a
forma com que o abandono cria fissuras em sua personalidade. Por não ser mais conseqüência
de magia negra, mas, sim, de tecnologia, o boneco não precisa mais esconder seu
dom da fala e surge desde os primeiros minutos andando naturalmente com o garoto. Isso
também agrega positivamente as diferenças dos primeiros filmes, oferecendo um “mundo
aberto” para que o vilão consiga explorar.
Em um balanço geral, ‘Brinquedo
Assassino’ oferece uma diversão muito diferente da esperada, mas ainda assim
bastante positiva. Ignorando os clichês estereotipados utilizados pela
narrativa, o arco construído para o jovem protagonista guarda alguns momentos
bem interessantes; assim como a forma como o Chucky forma a sua personalidade assassina.
A comédia também está presente de uma forma bem dosada. Não deve agradar aos
que esperam por uma continuação da franquia original, mas, levando em
consideração as mudanças feitas, ‘Brinquedo Assassino’ guarda ainda bastantes qualidades.
PS: Não comentei sobre
o novo design do brinquedo por se tratar de uma relação de amor ou ódio. Durante
o início do filme, ele me incomodou bastante. Contudo, existe uma sequência
inteira no filme para acostumar o espectador com sua nova aparência — Andy
preparando o boneco para assustar seu padrasto. Se mesmo depois dela você não
aceitar a nova roupagem do personagem, torça para que nas continuações (caso
existam) eles utilizem um dos outros avatares (o do ursinho de pelúcia pareceu promissor).
Trailer:
Escrito por Pedro Alves
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