[Crítica] Ficção Privada

Festival de Documentários "É Tudo Verdade 2020".

Título: Ficção Privada

Direção: Andrés Di Tella

País: Argentina

Idioma: Espanhol

Sinopse: Por vários dias e noites, um rapaz e uma moça leem as correspondências trocadas por Torcuato e Kamala (ele, argentino, ela, indiana), os pais do diretor. As cartas, escritas ao longo de décadas, entre os anos 1950 e 1970, relembram suas viagens e falam de amor e idealismo, mas também das dores e sonhos desfeitos. Uma aventura íntima do século 20.


Aqui temos uma escolha corajosa  do diretor em abrir a intimidade de seus próprios pais, existe algo de sagrado nos pensamentos e sentimentos daqueles que nos deram a vida.


O documentário começa com fotografias sendo levadas pela cidade de Buenos Aires, e de fundo o diálogo entre Andrés Di Tella e sua filha, Lola Di Tella. Nesse momento somos apresentados aos sentimentos do próprio diretor em relação ao projeto e também a seu pai, Torcuato, e sua mãe, Kamala. O casal se conheceu em Londres, e decidiu viver esse romance independente do preconceito e costumes.


Aos poucos somos envolvidos nas dificuldades do jovem casal, principalmente quando Julián Larquier e Denise Groesman assumem as vozes de Torcuato e Kamala. Existe um charme na troca de cartas, e também a possibilidade de dizer coisas que as lágrimas embargariam, a medida que desbravamos mais essa história, mais suas vozes parecem tocadas e envolvidas pelos sentimentos nelas.


Descobrimos casal idealista, que estudava o mundo, e muitas vezes separados por isso. A estranheza de um casal interracial na Índia, e a solidão de uma mulher negra e oriental em uma cidade branca como Buenos Aires. Kamala parece ter tanto a falar, existe uma fragilidade exposta nessas cartas, o relacionamento dos dois não é perfeito, como todo relacionamento, mas apenas ela parece estar disposta a falar disso, e isso comove até mesmo sua intérprete. A trilha passeia entre os sons dos ambientes em que essas fotografias e o diretor nos levam, e pontos como as palavras das cartas se tornando uma rima, e o som de um piano em uma casa.


Existe um momento tocante em que Andrés retorna a Inglaterra, e relembra do dia em que recebeu a notícia da partida de sua mãe. Também temos muitas passagens das cartas de Torcuato para o filho, interpretadas por Edgardo Cozarinsky, todas muito comoventes. A fotografia fechada nos aproxima dessa sensação de intimidade.


Di Tella nos trás uma história de familia, uma história melancólica de um amor que vai se desconstruindo e se tornando algo mais, e tudo feito com muita delicadeza e respeito a essa intimidade de Torcuato e Kamala, pois quem melhor para mostrar ao mundo sobre essas duas pessoas, que os seus?


Texto por Yasmin de Carvalho

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