[News] Lucas Andrade fala do longa "Regra 34", destaque no Festival de Cinema de Locarno
Wallace Domingues |
- Às vezes me parece um tanto sublime a consideração do artista e eu discordo desse lugar. É claro que lidamos com nossas sensibilidades, mas não deixa de ser um trabalho de ação e feitura. Ainda temos uma visão muito elitista da arte, e nesse sentido eu me considero um operário da arte, porque estou sempre em todas as frentes, seja no intelectual ou no braçal – acrescenta.
Andrade começou no cinema em “Corpo Elétrico”, ganhando elogios da crítica internacional. Assinou o figurino de “Rã”, filme de Ana Flávia Cavalcanti e Júlia Zakia e vencedor do prêmio de melhor filme no festival de Brasília, além de co-roteirizar o curta “Bluesman”, do Bacu Exu do Blues, vencedor do Grand Prix em Cannes.
- Apesar de ser um ator, me considero um artista multi. Gosto de estar presente em todas as fases da produção, como roteiro e figurinismo. Então minha trajetória até aqui fala muito de criação, de participação. A arte permite que a gente consiga colocar em um projeto nossa essência, e isso pra mim é algo mágico – aponta.
Atualmente é destaque em “Regra 34”, novo longa da diretora Julia Murat, que aborda questões referentes as práticas de BDSM (Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo). A produção vai concorrer ao Leopardo de Ouro, em Locarno, um dos mais respeitados e prestigiados festivais de cinema do mundo.
- O filme acompanha a história da Simone, uma jovem advogada negra que pagou sua faculdade com performances online de sexo. Só que quando ela se forma, vira defensora pública, e passa a defender mulheres vítimas de violência doméstica. E um dos desafios é mostrar essa dualidade, e a violência como repressão e forma de prazer, e como isso impacta em nossos corpos. O Coyote, meu personagem, é apresentado a esse universo, e cria uma relação de troca com a Simone, sem uma figura fixa de dominador ou submisso – detalha.
Abordar temas sensíveis é algo rotineiro dentro da carreira do ator. No próximo ano irá lançar o documentário ficção “Corre ou imensidão das pequenas coisas”.
- É uma pesquisa em relação a história política da cidade de São Paulo sobre o corpo de um homem preto. O projeto já foi fechado e agora estamos em busca de investimentos para a pós-produção – comenta.
Para além dos cinemas, Lucas é diretor artístico da Galeria HOA, que possui sedes em São Paulo e Londres, e serve também como residência aos artistas, uma incubadora onde podem desenvolver seus trabalhos, além de exibi-los em feiras e eventos.
- Estou na HOA desde sua fundação a convite da fundadora e proprietária Igi Lola. Somos a primeira galeria de propriedade negra do Brasil, dedicada a uma perspectiva decolonial da arte contemporânea latina, com ênfase na produção artísticas de pessoas racializados (diásporas indígenas e africanas/ asiáticas) explica.
Fora da galera a parceria entre Igi e Lucas também é forte. Juntos criaram o AEANFDC (Ambiente de Empretecimento da Arte Nacional a Favor da Descolonização Cultural), um coletivo de artistas negros dissidentes periféricos LGBTQIA+.
- Nesse coletivo trabalhamos as questões da negritude. criamos uma performance chamada Enegricidio de onde a geste questiona o genocídio contra a juventude negra, fizemos um ato na feira plana reivindicando a presença de artistas negros. Então tem muito essa questão de fortalecer nossa identidade e ancestralidade – ressalta.
Para o artista, que tem origem na periferia paulista, seu trabalho está ligado à sua própria origem, por isso conta que tem como objetivo externalizar essa voz, muitas vezes ofuscada por um padrão elitista.
- Meu trabalho é fruto da periferia e com isso ele consegue extrapolar essas margens e dialogar com todo o resto. Uma vez que eu falo de periferia, falamos de tudo e como isso se conecta, por mais que ainda exista um certo preconceito. Quero quebrar esse limite que colocam nos nossos corpos e narrativas. Por isso ao mesmo tempo que tenho esse projeto na HOA, que abrange jovens pretos da periferia, uma coisa mais urbana, também tenho o filme estreando em Locarno, levando esse olhar pro cenário internacional – afirma.
Ele também relata que o objetivo da sua arte é a possibilidade da realização de sonhos, de futuro e principalmente do presente.
- Quero abrir a porta para outros jovens como eu, que vieram de lugares e realidades duras, para que eles possam existir e prosperar no cenário artístico e nessa sociedade que ainda os excluí. A arte tem esse poder inclusivo, e a partir dela conseguimos construir uma sociedade mais justa e melhor – finaliza.
O trailer do filme “Regra 34” está disponível em https://www.youtube.com/watch?v=9FXrXRT9N2k
Mais sobre o trabalho de Lucas Andrade e da Galeria HOA em https://www.instagram.com/lucassanddrade/
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