A primeira faixa, inicialmente intitulada Exercício teve seus versos censurados e somente com insistência dos compositores pode ser lançada mas com o título trocado para Se Pode Criar que Sandra detestou, tendo que aceitar para se livrar da imposição dos censores que implicaram como a frase quanto mais a gente faz mais a gente gosta que tolamente pressentiram como apelo sexual sendo que estava ligada, no contexto de Sandra, ao ofício de escrever. O Amor de Hoje é uma parceria que atualmente pode parecer inusitada, mas faz todo sentido naquele momento, já que Rosa Passos ao lançar seu primeiro álbum Recriação em 1979 estava mais perto da vanguarda do que hoje, quando é considerada uma verdadeira sacerdotisa da bossa nova e seus afluentes. Joyce Moreno é outra grata e inesperada parceira em O Tempo Passou, espécie de “mea culpa” de Sandra diante de sua separação da Frenéticas: Eu quero outro som, outro rock, outro blues Porque repetir já não me satisfaz O meu grande prazer é o que te seduz Mas cantar certas coisas Não dá, não dá mais Eu Te Arraso é uma balada confessional escrita para Gonzaguinha, pai de sua filha Amora e parceiro num romance cinematográfico, repleto de “óleo na pista” mas, com certeza, eterno. Foi tema do personagem Vânia interpretado por Maria Zilda na novela Guerra dos Sexos. Pensando, Voando tem uma combinação sedutora de versos contraditórios dentro da vida cotidiana: No peito um espaço, um certo vazio O tempo era quente, mas eu tinha frio Eu digo que não, mas sinto que quero Se eu nunca ligo, mas sempre espero Saca na Gente é um trocadilho malicioso com sacanagem, palavra que a censura adorava vetar dentro da música brasileira, acarretando mudanças em letras ou proibindo a canção inteira. Mesmo assim, essa parceria com Guilherme Lamounier foi escolhida como a música de trabalho do disco e com esse possível hit nas mãos, Sandra participou várias vezes do programa do Chacrinha que adorava o refrão: É saca na Gente Saca na gente! Nada é Eterno é outra balada em parceria com Guilherme Lamounier que fala do amor de modo incisivo: Daquelas noitadas de loucos Só nós dois no apartamento, tão pequeno Aqueles papos profundos Sobre o amor, o ódio e o tempo, eu já não aguento Barriga Vazia, uma parceria com Ruban Barra, músico da formação original das Frenéticas, descreve de forma contundente a difícil vida fácil de todo artista: Pro lado do rock a grana não pinta Eu não canto só por hobby Isso é um toque Eu também sou faminta O mercado anda negro O mercado tá caro Eu não quero emprego O que eu quero é trabalho Bem Na Minha Testa, é um mambo “mucho louco” que só mesmo Zé Rodrix poderia arregimentar, acentuando os versos hilários escritos por Sandra: Cada pelo dessa perna Pra você foi arrancado Fiz o buço, sobrancelha Que suplício, meu amado Pus aquela camisola E um perfume perfumado Pra você ir pra cama Se queixando do cansaço Blue Azul encerra o álbum de forma irresistível com a participação de Marília Pêra que sempre manteve em evidência seu lado de cantora, tendo encenado espetáculos somente como intérprete e dona de uma discografia relevante. Juntas na faixa, Sandra e Marília, improvisam nos versos ao som de sonoras gargalhadas: Pra se cantar um blue O lamento não é lei Viva o amor Viva toda dor que eu já chorei A chegada do álbum Sandra Pêra ao mundo digital, através da sua gravadora Warner Music, também oferece outra grata surpresa: a inclusão, como faixas bônus, de duas músicas do compacto simples de 1984, A Matéria do Amor, parceria com Ruban Barra e Vem Pro Colo junto com Guilherme Lamounier, uma raridade ainda maior para deleite de seus fãs. Ao escutar o disco com Sandra na época, Nelson Motta proferiu: é bom mas não é espetacular. Felizmente, o mestre errou. Nascia ali um disco antológico e genial que resiste ao tempo com louvor. |
Nenhum comentário