[News] UMA SERTANEJA CONTADORA DE HISTÓRIAS E A MEMÓRIA DA REPRESSÃO NO CERRADO BRASILEIRO

 

Crédito:Editora Relicário


No Noroeste de Minas, nas margens com Bahia e Goiás, vive uma senhora que emanaforça por todo o cerrado. Moradora da antiga sede da Fazenda Menino desde 1968, local de histórias e mistérios, foi administradora da fazenda, professora e parteira. Sua casa não tem televisão, a sala é cheia de camas e em uma das paredes o olhar do quadro de um boi questiona a humanidade. O número de pessoas que passam por lá em apenas 24 horas é incontável, e, todo ano, no mês de julho, mais de 80 caminhantes pousam uma noite única no quintal dessa senhora, a Vó Geralda, para ouvir as histórias de um recorte de sua vida.


A porta aberta do sertão – Histórias da Vó Geralda nasceu a partir de um processo de escuta e transcrição dos relatos da Vó Geralda, que há 10 anos recebe na Fazenda Menino os Caminhantes do Sertão, que realizam a travessia inspirada em Grande Sertão: Veredas,  livro de Guimarães Rosa. Isla Nakano e Renata Ribeiro são caminhantes que se transformaram em interlocutoras de Vó Geralda e coautoras do livro. 


Saberes ancestrais


A narrativa de Vó Geralda é peça importante da história local. No entremeio do sonho e do despertar, em que chás de galhos de mexerica cuidam da dor, suas memórias contam que pisar na terra ajuda a lidar com o impossível e que o sertão é definitivo.


A Fazenda Menino guarda histórias misteriosas: o grandioso projeto de ocupação e desenvolvimento do Vale do Rio Urucuia, a cidade projetada por Niemeyer que não aconteceu, a perseguição a integrantes do PCB que pernoitavam ali, e a vida de uma professora da escola rural torturada apenas por estar na mesma casa... Em 1968, Geraldade Brito Oliveira chegou num carro de boi para dar aula no ciclo de alfabetização. Pouco depois, passou a administrar a propriedade.


Cidade Marina


A região alimentou um dos projetos mais ambiciosos do país, mas que foi paralisado por disputas de terra e sufocado pela ditadura militar a partir de 1964. Trata-se da construção de Marina, cidade projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Datado de 1955, o projeto foi encomendado pelo empresário Max Hermann – financiador e ligado ao PCB –, meses antes do início da construção de Brasília. Hermann sonhava em construir uma cidade sustentável para 200 mil habitantes no Vale do Urucuia para homenagear a mulher, Marina Ramona.


Marina teria “a calma e a segurança tão raras nas cidades modernas”, como define o próprio Niemeyer no Memorial Descritivo da Cidade Marina. Entre outras particularidades, o projeto previa o paisagismo de Roberto Burle Marx.


Vó Geralda é testemunha viva da história de Marina, cidade enterrada sob o chão arenoso do sertão mineiro. Mas nem esse episódio lamentável foi capaz de tirar seus sonhos e sua alegria de viver. Como ela mesma diz, “no sertão você é livre, livre, e não tem medo”.


Resistência


A ligação de Hermann com o PCB desencadeou repressão, prisões e presença de militares na Fazenda Menino. De 1970 a 1972, a fazenda passou a ser alvo dos militares, que frequentemente invadiam a fazenda. Vó Geralda foi perseguida, separada dos filhos e violentada apenas pelo fato de estar na mesma casa.


Em 2017, ela depôs na Comissão da Verdade. Sua história aparece em um dos volumes da Comissão, sob o título “Dona Geralda resiste: a repressão na Fazenda Menino”. 


A força da mulher sertaneja


Além das memórias desse período, as histórias da Vó Geralda perpassam temas como ancestralidade, infância, casamento forçado, tornar-se professora, saberes e curas locais, maternidade, religiões, manifestações culturais, emancipação de estruturas de aprisionamento de gênero, luta pela terra e envolvimento em movimentos populares.


A porta aberta do sertão pode ser lido, ainda, como uma celebração à força das mulheres. 


A bravura e a resiliência de Vó Geralda, símbolo da resistência feminina e da riqueza cultural do sertão, são fontes de inspiração e um convite para embarcarmos numa jornada pelo coração do sertão.


Trecho do livro


“Tem a história, um caso, de uma vez que eu vim servir o café na sede. Max trouxe alguns homens pra cá. Eles tavam tudo dentro do quarto, uns conversando, outros tomando banho — quase nem saíam fora da casa. Eles ficavam mais na sala e nós na cozinha. Eu só ia lá para servir, falava bom dia e boa tarde. Ficaram à noite no quarto, no outro dia tomaram café e já pegaram avião para ir embora. Não sei contar nada deles, mas Max falou assim: —Geralda, esses são Marighella, Brizola, João não sei o quê... Tinha um bocado de homem no avião, eram uns oito, todo mundo muito popular. Na hora de sair, ele despediram de nós — umas pessoa boa...” (p. 105)


Sobre as autoras


Geralda de Brito Oliveira, a Vó Geralda, nascida em 1941, é sertaneja do Cerrado mineiro.Moradora da antiga sede da Fazenda Menino, local de histórias e mistérios, foi administradora da fazenda, professora e parteira – ela é a memória viva da região. Ajornada de sua existência é composta por infância no sertão profundo, casamento, saberese curas locais, maternidade, religião, perseguição política, luta pela terra, dores e alegrias.


Há 10 anos, no mês de julho, Vó Geralda recebe em casa os muitos caminhantes que percorrem sua região no âmbito do projeto O Caminho do Sertão, contando-lhes suas histórias.


Isla Nakano é paulista, formada em Ciências Sociais pela PUC-SP e pós-graduada em Estudos Étnicos, Raciais e Migratórios no Trinity College Dublin. Atua nos universos de migrações e memória oral através de consultorias de pesquisas, projetos, coletas de histórias de vida e criação de conteúdo. É caminhante do sertão e interlocutora de Vó Geralda na elaboração do livro.


Renata Ribeiro é baiana da Onça, sertaneja, graduada em História pela USP. É professora da rede municipal da capital paulista e uma das coordenadoras da Oficina de Leitura João Guimarães Rosa (IEB-USP). Também é caminhante do sertão e interlocutora de Vó Geralda na elaboração do livro.




Título: A porta aberta do sertão – Histórias da Vó Geralda


Autoras: Geralda de Brito Oliveira, Isla Nakano e Renata Ribeiro


Ilustrações: Paula Harumi


ISBN: 978-65-89889-90-8


Categorias: Não ficção, História oral, Relato, Memória


Encadernação: brochura


Formato: 15,5 × 22,5 × 1,5 cm


Páginas: 244


Peso: 0,3 kg


Edição: 1ª (junho 2024)

Preço de capa: R$ 59,90






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