[ENTREVISTA] ”As luzes de dois cérebros anárquicos”: uma conversa com Ana Barros sobre luto, laços familiares e doenças neuro-psicológicas

 

Crédito:Filme D`Água

Lidar com o luto na maioria das vezes não é nada fácil, ainda mais quando esse luto é somado a sofrimentos psíquicos pré-existentes e questões familiares. Esses assuntos são abordados de maneira sensível na obra de estreia da autora paulista Ana Barros, “As luzes de dois cérebros anárquicos” (editora Paraquedas, 208 pág.), viabilizada pelo Programa de Ação Cultural (ProAC) 2023, iniciativa do governo do estado de São Paulo.

A trama, que se desenvolve ora em primeira pessoa, ora em terceira, possui três protagonistas: Virginia, Simone e Angela, mãe, filha e neta, respectivamente. Simone e Angela se reencontram quando suas vidas são movimentadas pelo falecimento de Virginia e elas precisam lidar com o luto mas também com remorso, medo e culpa que permearam as relações familiares. Para mais, ambas personagens convivem com transtornos que atingem o cérebro: a neta com a depressão e a avó com o alzheimer.




Ana Barros (@anabarros.co) é Especialista em Produção de Textos Literários, formada pelo Instituto Vera Cruz (São Paulo) em 2022. Coordena e ministra oficinas de escrita criativa e desde 2021 atua no Clube do Livro Contemporâneas, iniciativa encabeçada pela autora e que busca estimular a leitura de obras produzidas por escritoras brasileiras.  A autora paulista também está nas redes sociais (Instagram e YouTube) promovendo formação de mulheres escritoras.


 


Confira abaixo a entrevista completa com a autora




Quais são os temas centrais do livro e por que você escolheu escrever sobre eles?




Essa é uma pergunta um tanto complexa porque eu percebi que na maioria das histórias que escrevo, estou falando sobre a liberdade e a busca por ela, como se meus personagens encarassem a questão do eterno retorno de frente. Porém, esse livro tem dois temas principais: a Depressão e a doença de Alzheimer e como essas doenças interferem na vida de duas mulheres. Essas duas doenças acometem um número considerável de pessoas no território brasileiro: segundo dados da Associação Brasileira de Alzheimer, 11,5% da população idosa sofre da doença de Alzheimer, e, segundo a OMS, cerca de 5,8% da população brasileira sofre de Depressão, um total de 11,5 milhões de casos. Por causa disso, eu acredito que a literatura tem o poder de interpretar e representar os sentimentos que trespassam, de forma similar, a experiência das vítimas destas doenças.


Acho que criei essas duas personagens inspiradas em pessoas próximas, que vivenciam esses dois transtornos, para retratar o crescimento da Doença de Alzheimer e da Depressão de forma literária, e como essas pessoas reagem com o meio em que vivem e como elas enfrentam o cotidiano e suas próprias questões internas.




O que te motivou a escrever o livro?




Este livro nasceu da minha vontade de realizar um sonho: publicar um livro. Comecei a escrever em 2018, em uma época em que eu enfrentava uma grave depressão. Naquele ano eu estava em um emprego que não me agradava e vivia uma vida onde me sentia presa e sem perspectivas. Assim, comecei a participar de oficinas de escrita, já que minha formação em moda não me deu as bases necessárias para escrever um livro. Foi em uma dessas oficinas que escrevi meu primeiro conto, e logo depois decidi começar a escrever esse romance, sobre a vida de uma mulher que nunca fui, mas que poderia ter sido. 




Como foi o processo de escrita do livro?




Começou com uma investigação interna: o que eu faria se tivesse feito direito? Como seria minha vida se minha mãe fosse outra mais autoritária, ou se eu não tivesse um pai presente? O que acontece na vida de uma mulher que vive de aparências, que se preocupa com o seu corpo a ponto de ficar sem se alimentar adequadamente? O processo de escrita foi solitário. Terminei o primeiro manuscrito em 2020 e mandei para concursos, não passei em nenhum. Foi aí que eu soube que precisava melhorar. Comecei uma Pós Graduação em Escrita Criativa no Vera Cruz e lá meu texto se modificou, cresceu e eu decidi que tudo que eu havia escrito estava imaturo. Com ajuda dos meus colegas e professores consegui encontrar o melhor caminho para ele e, em 2022 me inscrevi pela primeira vez no ProAc, não passei. Mas, em 2023, com um projeto muito mais redondo eu fui aceita em terceiro lugar. Após receber o dinheiro do edital eu voltei a escrever em uma Mentoria com a Jarid Arraes, joguei as 220 páginas do primeiro manuscrito fora e comecei um novo livro. A escrita foi bem rápida, pois já tinha tudo estruturado, a Jarid me ajudou a encontrar o melhor formato e em 3 meses eu terminei o que seria a segunda versão do livro. Acho que o processo de escrita foi internamente cansativo, pois eu tive que deixar uma versão inteira de lado, uma versão que tinha me custado muito para escrever, para que uma nova versão melhorada aparecesse. Ficamos felizes com o resultado (eu e a Jarid) e assim ficou.




E desde quando você escreve?




Escrevo desde sempre. Comecei escrevendo músicas quando era criança, depois fui para diários, e na adolescência blogs sobre moda. Não desejava ser escritora, achava que eu não podia, era um trabalho para um intelecto superior. Mas gostava de criar e aos poucos a ideia de escrever um livro cresceu dentro de mim. Trabalhei no comércio por alguns anos e fui responsável por uma loja de rua em 2016, e sempre que estava sozinha, eu abria uma página em branco no Word desejando escrever um livro. Nunca escrevi esse livro. Mas no fim de 2018 eu decidi que começaria a escrever para valer.




O que esse livro representa para você? Você acredita que a escrita do livro te transformou de alguma forma? Por quê?




Acho que esses 6 anos de trabalho me ensinou a ser paciente. Em 2018 eu queria que tudo acontecesse com rapidez, queria ser publicada, queria ser conhecida pela minha escrita. Mas, a escrita tem seu próprio tempo, ela precisa ser marinada, lapidada e amadurecida. Para mim, o livro representa uma vitória, já que eu achava que não teria a capacidade de escrevê-lo. Escutei que escrever um livro era difícil, e que muitas pessoas, mais capacitadas que eu, estavam tentando escrever também. Tinha uma sensação de que eu não era boa o suficiente e toda vez que eu dizia "eu quero escrever um livro" ou "eu estou escrevendo um livro" eu percebia os olhares de espanto das pessoas. Por muitas vezes senti que não conseguiria, mas continuei, não desisti. Acho que não desistir é um ponto importante também. Escrever um livro não é difícil, mas exige comprometimento para ir até o final. Hoje sinto que sou capaz de fazer tudo que eu quiser, graças a esses seis anos de trabalho.




Quais são suas principais inspirações? 




Minhas maiores inspirações são escritoras como Elena Ferrante, Virginia Woolf, Simone de Beauvoir e Marguerite Duras, e meu trabalho não parece em nada com os delas. Mas, sabe, quando você lê algo tão bom, tão ousado, tão diferente de tudo que você já leu e aquilo te deixa feliz? Então, foi assim que me senti quando li Viriginia pela primeira vez. Senti isso quando li “A pediatra”,  da Andrea del Fuego e “Temporada de Furacões", da Fernanda Melchor. Gosto de narrativas cortantes, que causem impacto e emoções. Gosto de quem tem a capacidade de chocar com as palavras.

Quais são seus projetos atuais de escrita? O que vem por aí?

Eu tenho muitos projetos, muitos mesmos. Alguns estão apenas na minha cabeça: como a biografia da minha avó em comparação a Vivianne Westwood que nasceu no mesmo dia que ela, e um livro que se passa todo dentro de uma comunidade anarquista e feminista. Mas, tenho outro livro pronto e estou buscando editoras para ele, chamado MÃMUDA, que conta a história de dois personagens que se perderam no tempo entre Tânger, São Paulo e Londres. Esse é o meu segundo livro e foi escrito durante a Pós Graduação no Vera Cruz e tenho muito carinho por ele. Meu desejo é publicá-lo ano que vem.



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