Segundo longa do pernambucano André Antônio, SALOMÉ fará sua estreia nacional na mostra competitiva do 57º Festival de Brasília, que acontece entre 30 de novembro e 07 de dezembro. O filme é uma produção de Dora Amorim, Júlia Machado, Thaís Vidal, as três da Ponte Produtoras e, também, do coletivo Surto & Deslumbramento. O lançamento em cinemas será realizado pela Vitrine Filmes.
Cecília, uma jovem modelo de sucesso, retorna a Recife, sua cidade-natal, para passar o natal com a mãe. Certa noite, um vizinho que ela não vê há muito tempo, João, lhe mostra um misterioso frasco contendo uma substância verde tóxica. Cecília começa a se apaixonar por João, mas também descobre que ele está envolvido com uma estranha seita ao redor da figura de Salomé, a sanguinária princesa bíblica.
André Antônio comenta sobre a alegria de estar pela primeira vez com um filme no Festival: "É minha primeira vez no Festival de Brasília e fico muito empolgado de trazer Salomé para um evento que foi palco de tantos debates estéticos instigantes ao longo da história do cinema brasileiro. Parece um lugar em que aspectos únicos, subversivos e dissonantes da nossa cultura são convocados para criarem formas novas de cinema. Fico feliz de ver o trabalho que o coletivo Surto & Deslumbramento tem feito a partir de uma discussão queer podendo participar e contribuir com essa história."
Já a produtora Dora Amorim ressalta a importância da seleção do longa em Brasília: “Voltar para Brasília depois de anos, no ano que o festival volta a sua força total é maravilhoso para o filme. Salomé é uma história de amor queer, um filme cheio de cor, de música. Estamos muito animadas com a sessão no Cine Brasília. André é um colaborador antigo da Ponte, fizemos esse filme durante anos e ter a estreia brasileira em Brasília é um importantíssimo fator para consolidar o seu cinema”.
Os filmes do cineasta são sempre sobre personagens que estão em busca de prazer, tentando alcançar seus ideais particulares de paraíso, quer seja o retorno à cidade e à casa da infância em A Seita (longa de 2015), por exemplo, quer sejam os cheiros e sabores do sexo fetichista em Vênus de Nyke (média de 2021). Nesse sentido, SALOMÉ não é diferente: “O projeto do meu segundo longa surgiu depois que A Seita foi finalizado. Eu havia lido muita coisa escrita por Oscar Wilde como pesquisa para esse filme mas, depois de lançá-lo, percebi que não conhecia a célebre - e censurada, na época - peça teatral Salomé, de 1891”.
A figura de Salomé - a princesa bíblica responsável pela decapitação de Iokanaan (o nome hebraico para João Batista) - foi frequentemente elevada, ao longo da história da arte, da literatura, do teatro e do cinema, ao status de imagem emblemática de um erotismo queer transgressor. André Antônio, que também assina o roteiro de SALOMÉ, conta que o maior desafio ao escrever foi transpor essa mítica personagem para um cenário bem específico: Recife, sua cidade. “Meu filme não é uma adaptação da peça de Wilde, apenas toma a peça como ponto de partida. O conflito entre alguém cosmopolita e descolada como Cecília e o universo suburbano e provinciano da sua família - conflito sem dúvida compartilhado por muitas existências queer - é algo que permeia o filme através de situações e sensações que vêm da minha própria história pessoal como alguém que veio de uma família pobre mas que acabou, pelos acasos e sortes da vida, realizando o sonho de fazer filmes.”
Para a construção do longa, o diretor conta que tentou trazer o sabor de um melodrama clássico e, claro, fazer isso hoje necessariamente soa camp e artificialista. E, ao fazer SALOMÉ, voltou a cineastas que são a base para a sua visão de cinema: José Mojica Marins, Derek Jarman, Kenneth Anger, Julio Bressane - artistas que acreditam que ver um filme é uma espécie de experiência mística, de fantasia.
André Antônio também destaca o privilégio de trabalhar com o elenco do longa, figuras da arte queer brasileira a quem admira. “Aura do Nascimento, uma das artistas visuais mais instigantes de Recife hoje; Renata Carvalho, um dos nomes fundamentais no debate e na luta das travestis brasileiras e, também, uma diva do teatro e do cinema brasileiros; e Everaldo Pontes, lenda viva do cinema brasileiro.”
Em SALOMÉ, finalmente há personagens e um elenco trans protagonizando uma narrativa que não é sobre a experiência da transição de gênero e da violência advinda do preconceito, temas aos quais essas artistas trans são sempre associadas, não lhes permitindo voos em outras propostas estéticas. Esta é uma demanda frequente, ainda que pouco atendida, das lutas pela representatividade trans. “Mas para além desses nomes, há vários outros rostos, no longa, de uma comunidade sexo-dissidente que existe, que está aqui no Recife. É algo que SALOMÉ compartilha com meus filmes anteriores: a presença de uma comunidade que eu registro e - um pouco na esteira do que Andy Warhol, em seus filmes, fazia com uma certa cena underground da sua época - glamorizo sem pudor.”
SALOMÉ será lançado no Brasil pela Vitrine Filmes. |
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