Um dos grandes acontecimentos pop do Brasil em 2010, o álbum solo de estreia de Sandy saiu em maio, em CD, e, no fim daquele ano, já recebia Disco de Platina pelas mais de 80 mil cópias vendidas. A imensa expectativa dos fãs e do mercado foi respondida com qualidade na escolha do repertório, autoral como a cantora jamais havia se permitido ser, e com elegância nas escolhas de arranjo e instrumentação.
Editado agora pela primeira vez em vinil, o trabalho mostra Sandy no comando, trabalhando com total independência. Ela assina como responsável pela coordenação musical do disco, tendo como produtores Lucas Lima e Junior Lima. Os arranjos são creditados a Sandy, Lucas e Junior, e investem em cordas bem diversificadas (violinos, violoncelos, bandolim, banjo e um ocasional ukulele, tocado por Junior), sempre em dinâmica suave. O bom gosto e o capricho na timbragem ecoam décadas passadas, do folk rock dos anos setenta ou mesmo ao alternative country da virada do milênio.
As influências vão de clássicos do soft rock como Carole King a astros britânicos do pop contemporâneo como Jamie Cullum, passando por nomes cult como o da escocesa KT Tunstall. A inglesa Nerina Pallot participa da delicada balada bilíngue “Dias Iguais”, um dos destaques do repertório.
O canto tecnicamente impecável de Sandy surge low profile, menos inclinado a explorar as notas mais altas. É um retrato da artista aos 27 anos, expondo sua personalidade com texto de jovem adulta e culta — estudou Letras e aprendeu a amar Fernando Pessoa e Clarice Lispector.
A autora Sandy se mostra certeira já na primeira faixa, a balada “Pés Cansados”, um grande hit instantâneo: “Eu lutei contra tudo/ Eu fugi do que era seguro/ Descobri que é possível viver só/ Mas num mundo de verdade/ Depois de tanto caminhar/ Depois de quase desistir/ Os mesmos pés cansados voltam pra você”.
“Quem Eu Sou”, segunda faixa e segundo single de sucesso do disco, revela uma face mais rocker (no caso, rock adulto), de estrutura simples, mas com um belo desenho melódico. Já na melancolicamente épica “Tempo”, Sandy usa versos curtos, de uma palavra só, para exercitar sua capacidade expressiva.
Bem encaixadas conceitualmente, as faixas do álbum se sucedem com diversidade e carga emocional em calibragem variada: “Ela/ Ele”, com delicadeza de realejo e belo arranjo de cordas; os violões country folk de “Dedilhada”, com mensagem libertária setentista, e o pop/rock angustiado de “Sem Jeito”.
No lado B, temos uma Sandy mais emocional — e provavelmente mais confessional — que voa por composições que ocasionalmente bordejam o gospel. Duas boas exceções são o rhythm & blues groovado de “Tão Comum” e o pop adulto de “Mais um Rosto”, com baixo fretless evocando um lado 80s sofisticado.
Mas a faixa de abertura, “Duras Pedras”, em feitio de hino, é que dá o tom, emoldurada por belo arranjo. Mais adiante, com intensidade semelhante, vem “Perdida e Salva”, uma canção de amor realizado que, mesmo sem ter sido single, virou objeto de culto entre os fãs. “Dias Iguais”, só com piano e voz, também busca o sublime. E, no encerramento, a curtinha “Esconderijo” oferece aos ouvintes um momento francamente fofo, um docinho antimelancolia com assinatura: Sandy.
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